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Foto: San Diego Zoo
Foto: San Diego Zoo| Foto:

Guerras são travadas com as armas que se dispõe. Diferentes tipos de guerras usam diferentes tipo de armas. E isso não precisa ser apenas literal, mas também no sentido figurado. Em ofensivas diplomáticas ou comerciais, um país pode usar elementos apelativos de sua identidade e cultura que geram simpatia no público e no “oponente” como parte de seus esforços. Isso, em extremo resumo, é um dos elementos do chamado soft power, o poder de atingir seus interesses por meios que não a força bruta.

Esse conceito já foi bastante citado aqui nos textos sobre a península coreana, ao apontar uma das maiores diferenças entre as duas repúblicas coreanas no cenário internacional. Enquanto é muito provável que um dos leitores tenha um veículo, um smartphone, um eletrônico qualquer, ou até consuma a música da república do sul, qual sua relação cultural e social com a do norte? Imagino que perto de nada na imensa maioria dos casos. E a guerra comercial entre EUA e China pode implicar em novas armas.

A Diplomacia do Panda

Semana passada, o governo chinês encerrou um acordo de cooperação ambiental que mantinha com os EUA. Isso implicou a devolução da ursa panda gigante do zoológico de San Diego, na Califórnia, e do seu filhote mais novo. Ambos os ursos já estão na China e passarão por um período de quarentena e aclimatação. Isso tudo pareceria bem trivial ou banal para uma coluna de política internacional, salvo o timing dessa ação, bem no meio da retomada de tensões e tarifas entre EUA e China.

A ursa panda de San Diego era uma das mais famosas atrações do zoológico da segunda maior cidade da Califórnia. E os pandas, como símbolos chineses, são elementos importantes da projeção cultural chinesa e do estabelecimento de boas relações com outros povos. A “diplomacia do panda” não é invenção dessa coluna, tampouco algo novo. Alguns registros apontam para a prática desde o período chamado de Idade Média no Ocidente, mas foi no século XX que ela se tornou arma de diplomacia.

A lógica e simples. O panda é um animal exclusivamente chinês, não existe um panda gigante que possa vir de outro país. Então, sua imagem está vinculada diretamente à China. Segundo, o panda, por sua aparência, atrai simpatia e atenção do público em geral. Terceiro, seu habitat cada vez mais reduzido fez com que o animal entrasse em listas de espécies em risco de extinção, tornando-se símbolo de uma causa vista por muitos como nobre. Finalmente, essa mesma condição faz com que o governo chinês controle os pandas com atenção.

Ou seja, para simbolizar boas relações ou iniciar uma melhoria das relações, o governo chinês usa os pandas gigantes como um presente diplomático que indubitavelmente simboliza a China de uma maneira agradável para as pessoas. Não é possível ter acesso a um panda sem boas relações com a China, e não se confunde um panda gigante com outros países. Querer salvar os pandas implica em estabelecer diálogo com a China, que entendeu o valor dessa sua arma de soft power de pelagem branca e preta, com grandes orelhas e que come bambu.

O maior exemplo da Diplomacia do Panda ocorreu em 1972, quando Richard Nixon, então presidente dos EUA, visitou a China. Na época, o reconhecimento oficial dos EUA ainda era da República da China, mais conhecida como Taiwan. A visita abriu as negociações que culminaram com Washington reconhecendo a República Popular da China como a única China. Por sua vez, isso abriu negociações similares com outros países e levou ao processo de substituição do assento da república chinesa no Conselho de Segurança da ONU.

Um casal foi ator importante desse processo de negociações. Ling-Ling e Hsing-Hsing foram dados de presente pelo governo chinês ao governo dos EUA, que os doou para o Zoológico Nacional de Washington, em uma cerimônia oficial com a presença da então primeira-dama. Vinte mil pessoas estavam presentes e o zoológico atraiu mais de um milhão de visitantes no primeiro ano. Isso significa um milhão de pessoas, jornais, repórteres, publicidade, uma imensidão de pessoas tendo contato direto com “a China” via seu representante peludo.

O gesto foi repetido em diversas outras ocasiões, antes e depois desse episódio com Nixon. O caso mais recente, em 2018, foi o da Finlândia. O país recebeu um casal de pandas gigantes, teoricamente para celebrar o centenário de sua independência, entretanto, por “coincidência” o país anunciou na mesma ocasião sua adesão à política de “Uma China”. Ou seja, sem relações com Taiwan. Não se trata de dizer que os pandas são um “suborno”, que por si só justificam a política adotada, mas um fator de aproximação.

Política de Uma China

Falando em Taiwan, o caso mais curioso de Diplomacia do Panda foi entre as duas repúblicas chinesas. Entre 2005 e 2008 os dois governos negociaram o empréstimo de um casal de pandas para os zoológicos de Taiwan. O tema era afetado pela política interna de Taiwan, entre os que buscam melhores relações com o continente e os ferrenhos pela independência. Após mudanças no governo e uma visita de autoridades da china continental, os dois governos acordaram o empréstimo dos ursos.

Sob quais regulamentos? A China alegava que procedimentos internacionais não precisariam ser seguidos, já que se tratava de um transporte doméstico entre duas regiões de uma “mesma China”. Autoridades ultrajadas em Taiwan insistiam em procedimentos internacionais, com Taiwan como uma nação soberana. No fim das contas, os taiwaneses seguiram todos os procedimentos internacionais por orgulho próprio, porém, com um detalhe: a ilha não é signatária dos acordos internacionais de transporte de espécies em extinção.

A Diplomacia do Panda é a mais visível desse tipo de política, mas não a única. Reis portugueses davam animais africanos aos papas, como símbolo da vastidão do império luso e da autoridade papal. Muitos governantes aproveitam o amor de Putin por cães e o presenteiam com raças especificas de sua nação, como um sarplaninac sérvio. O amor aos cavalos de José Manuel Pando Solares fez parte das negociações entre o governo brasileiro e o presidente boliviano pela posse do Acre.

E nem precisam ser animais de presente, apenas usados como símbolos dessa projeção nacional. Sequer precisam ser animais de verdade, já que o pokémon Pikachu é um embaixador do Japão e o pokémon Geodude tornou-se embaixador do turismo da região de Iwate. Resta saber se mais pandas nos EUA serão devolvidos ao governo chinês ou se, em breve, a guerra comercial chegará ao fim, com uma cerimônia marcada por mais pandas dados de presente ou emprestados entre as duas potências.

 

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